Ode Triunfal
Álvaro de Campos
(heterônimo de Fernando Pessoa – 1888–1935)
À dolorosa luz das grandes lâmpadas elétricas da fábrica Tenho febre e escrevo. Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto, Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos. Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r eterno! Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria! Em fúria fora e dentro de mim, Por todos os meus nervos dissecados fora, Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto! Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos, De vos ouvir demasiadamente de perto, E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso De expressão de todas as minhas sensações, Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas! Em febre e olhando os motores como a uma Natureza tropical – Grandes trópicos humanos de ferro e fogo e força – Canto, e canto o presente, e também o passado e o futuro, Porque o presente é todo o passado e todo o futuro E há Platão e Virgílio dentro das máquinas e das luzes elétricas Só porque houve outrora e foram humanos Virgílio e Platão, E pedaços do Alexandre Magno do século talvez cinqüenta, Átomos que hão de ir ter febre para o cérebro do Ésquilo do século cem, Andam por estas correias de transmissão e por estes êmbolos e por estes volantes, Rugindo, rangendo, ciciando, estrugindo, ferreando, Fazendo-me um excesso de carícias ao corpo numa só carícia à alma.
(Fernando Pessoa, Obra Poética)
Em “Ode triunfal”, escrita no momento aflitivo de 1914, parece que o transe dos tempos modernos, representado pelas máquinas em fúria, se mistura com o transe febril do eu-poemático. Cria-se um ambiente em que, talvez na dimensão do sonho (ou do pesadelo), o tempo e o espaço parecem dissolvidos, ou situados numa região mítica. Nessa dimensão surrealista, Platão e Virgílio residem dentro das máquinas; há, nelas, pedaços de Alexandre Magno, do século talvez cinqüenta, além de Ésquilo, do século cem. Tal embaralhamento temporal de figuras históricas já se enunciara nos versos
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