Maíra
Maíra só descobriu todo o seu poder um dia quando brincava com Micura na praia. Cada um deles tinha, levantada, uma mão cheia de vaga-lumes para alumiar, mas a luzinha era muito pouca. Maíra desenhou, assim mesmo, ali na areia da praia, uma arraia com seu ferrão e tudo. Mas naquela penumbra se distraiu e pisou na arraia desenhada. Foi aquela ferroada! Compreendeu, então, que podia fazer qualquer coisa:
— Sou Maíra — lembrou — sou o arroto de Deus-Pai. Ele, o ambir, agora tem nome: é Mairahú, meu pai. Meu filho será
Mairaíra. — Pegou então a conversar com o irmão, Micura, sobre o que podiam fazer.
Maíra: — O mundo de Mairahú, meu pai, é feio e triste. Não é um mundo bom para a gente viver. Podemos melhorá-lo.
Micura: — Não vá o Velho se ofender!
Maíra: — Pode ser. É melhor não fazer nada.
Micura: — Bobagem. Alguma coisinha podemos fazer.
Maíra: — Vamos, então, tomar dos que têm, o que eles têm, para dar aos que não têm.
Micura saltou alegre: — Sim, vamos, primeiro o fogo. Ando com frio e com muita vontade de comer um churrasco. O fogo era do Urubu-rei que mandava na aldeia grande das gentes urubus. Eles só comiam corós de carniça tostados no borralho. Não precisavam tanto do fogo. Usavam mais era luz para ver bem a carniça e o calor para esquentar o corpo nu quando se desvestiam das penas para brincar de gente.
O jeito que os gêmeos encontraram para roubar o fogo foi matar um veado grande, muito grande, deixá-lo apodrecer para criar bastante bicho-coró e, então, mandar levar uma moqueca de corós para o Urubu-rei e convidá-lo para vir à comilança. Assim fizeram. Maíra desenhou um cervo enorme, soprou para que vivesse e o matou ali mesmo. Quando estava bem podre e bichado, mandaram o passarinho que fala mais línguas, um papagaio, maracanã, atrás do Urubu-rei. Eles ficaram escondidos debaixo da carniça para agarrar o reizão bicéfalo quando ele pousasse. Assim fizeram. Quando o Urubu-rei estava bem preso, Maíra gritou:
— Calma, meu rei. Não tenha medo. Só quero o fogo pro meu povinho. Todos andam com frio. Só comem o cru. Mas se armou a maior das confusões porque o Urubu-rei começou a responder com as duas cabeças, falando ao mesmo tempo, cada qual dizendo uma coisa. Maíra não entendia nada. Aí uma cabeça do Urubu-rei virou-se para a outra e as duas caíram numa discussão cerrada. O tempo ia passando sem que Maíra soubesse o que fazer. Afinal, teve a idéia de mandar Micura agarrar o rei-falador. Levantou, então, suas duas mãos e fez de cada uma delas uma cabeça de urubu com bico e tudo e passou, assim, a conversar duro com as duas cabeças do reizão. Só deste modo conseguiu que ele mandasse trazer o fogo, mas o rei ainda quis enganar Maíra entregando fogos que queimavam pouco e não davam luz. Felizmente ali estava Micura experimentando tudo. Provava um e dizia:
— Não, este não serve não; não é o fogo que precisamos. Não, este também não é o fogo que precisamos. Não, este também não é o fogo de verdade. — Afinal, conseguiram o fogo verdadeiro e fizeram o trato.
Maíra: — Vocês urubus vão comer carniça com fartura; o chefão de duas cabeças vai ficar com uma só, para não enganar mais ninguém, mas nesta vai usar esse diadema vermelho e branco que eu lhe dou agora.
Urubu-rei: — Fiquem com o fogo vocês, mairuns. Mas façam muita carniça pra nós.
(Darcy Ribeiro. Maíra.)
Prometeu Acorrentado
Ésquilo
(A cena é o pico duma montanha deserta. Chegam Poder e Vigor,que trazem preso Prometeu; segue-os, coxeando, Hefesto, carregando correntes, cravos e malho.)
Poder. Eis-nos chegados a um solo longínquo da terra, caminho da Cítia, deserto ínvio. Hefesto, é mister te desincumbas das ordens enviadas por teu pai, acorrentando este celerado, com liames inquebráveis de cadeias de aço, aos rochedos de escarpas abruptas. Ele roubou uma flor que era tua, o brilho do fogo, vital em todas as artes, e deu-a de presente aos mortais; é preciso que pague aos deuses a pena desse crime, para aprender a acatar o poder real de Zeus e renunciar o mau vezo de querer bem à Humanidade. Hefesto. Poder e Vigor, a incumbência de Zeus para vós está terminada; nada mais vos embarga. Eu, porém, não me animo a CE_Humanidades.pmd 7 29/11/2005, 18:17 UNESP/Humanidades 8 agrilhoar à força um deus meu parente a um píncaro aberto às intempéries. Todavia, é imperioso criar essa coragem; é grave negligenciar as ordens de meu pai. (...) Poder. Basta! Para que te atardares em lástimas perdidas? Por que não abominas o deus mais odioso aos deuses, que entregou aos mortais um privilégio teu? Hefesto. O parentesco e a amizade são forças formidáveis. Poder. Concordo, mas como se podem transgredir as ordens de teu pai? Isso não te infunde medo? Hefesto. Tu és sempre cruel e audacioso.
Poder. Lamentos não curam os teus males; não te canses à toa em lástimas ineficazes. Hefesto. Oh! que ofício detestável!
(...)
Hefesto. Podemos ir. Seus membros já estão amarrados. Poder. (a Prometeu) Abusa, agora! Furta aos deuses seus privilégios para entregá-los aos seres efêmeros! Que alívio te podem dar deste suplício os mortais? Errados andaram os deuses em te chamarem Prometeu; tu mesmo precisas de alguém que te prometa um meio de safar-te destes hábeis liames! (Retiram-se Poder, Vigor e Hefesto.)
Prometeu. Éter divino! Ventos de asas ligeiras! Fontes dos rios! Riso imensurável das vagas marinhas! Terra, mãe universal! Globo do sol, que tudo vês! Eu vos invoco. Vede o que eu, um deus, sofro da parte dos deuses! Contemplai quão ignominiosamente estracinhado hei de sofrer pelas miríades de anos do tempo em fora! Tal é a prisão aviltante criada para mim pelo novo capitão dos bem-aventurados! Ai! Ai! Lamento os sofrimentos atuais e os vindouros, a conjeturar quando deverá despontar enfim o termo deste suplício. Mas que digo? Tenho presciência exata de todo o porvir e nenhum sofrimento imprevisto me acontecerá. Cumpre-me suportar com a maior resignação os decretos dos fados, sabendo inelutável a força do Destino. Contudo, não posso calar nem deixar de calar minha desdita. Por ter feito uma dádiva aos mortais, estou jungido a esta fatalidade, pobre de mim! Sou quem roubou, caçada no oco duma cana, a fonte do fogo, que se revelou para a Humanidade mestra de todas as artes e tesouro inestimável. Esse o pecado que resgato pregado nestas cadeias ao relento.
(Teatro Grego. Seleção, introdução, notas e tradução direta do grego por Jaime Bruna. São Paulo: Cultrix, 1964.)
Um dos meios de tornar um texto mais fluente é evitar a repetição de vocábulos, que produz monotonia. Para isso, o escritor se serve de palavras e locuções de valor semântico equivalente ou de perífrases que evitam a impressão desagradável gerada pela repetição. Com base nesta observação,
a) indique duas palavras ou locuções com as quais o escritor, no fragmento de Maíra, evita repetir o nome “Urubu-rei”;
b) aponte a quem se refere Prometeu, no fragmento de Ésquilo, com a expressão “novo capitão dos bem-aventurados”.
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