Ele ficou ainda um tempo naquela posição e quando levantou a cabeça e me olhou levei um susto: era exatamente igual a mim, tinha o meu rosto quando jovem, magro, branco, muito branco, uns vinte anos, senti um calafrio correndo por toda a espinha, era como se eu estivesse me olhando no espelho, num antigo espelho. Sou eu, falei comigo mesmo, aquele garoto sou eu. Ele ficou me olhando, a expressão neutra, olhávamos fixamente um para o outro mas o rosto dele não se alterava, nada, por um momento tive a impressão de que ele não me via, de que eu estava invisível, ele talvez estivesse vendo apenas alguma coisa no muro, um cartaz, uma coisa qualquer, não olhava para mim, olhava através de mim, foi o que pensei.
CARNEIRO, Flávio. A confissão. Rio de Janeiro: Rocco, 2006. p. 193-194.
Caiu de cócoras, sem tino de nada, e só então reparou na roupa desalinhada do marido, na barba de dias e nas migalhas de bolo presas aos fios do bigode. Tomada por uma ternura insuportável, abraçou-se a ele aos prantos, e o perdoou por deixar seus objetos pessoais, selas, arreios e esporas em profusão, para ela que há tempo não montava um cavalo, pois engordara muito. Nos anos de luto que estavam por vir, teria de justificar às visitas a parede que erguera, dividindo a casa em duas. Um vão inteiro servia apenas para esconder as lembranças do marido. Naquele santuário escuro e fedorento a mofo, ninguém entrava, a não ser os netos, guardiões assombrados da história de Francisco Vieira, Chiquinho, como só ela chamava.
BRITO, Ronaldo Correia de. Livro dos homens. São Paulo: Cosac Naify, 2005. p. 136
Comparecem nestes fragmentos marcas da ficção contemporânea que, no contexto de cada uma das obras a que eles pertencem, são representadas, respectivamente, pela
TEMPO NA QUESTÃO
00:00:00
Literatura Teoria Literária
Total de Questões: ?
Respondidas: ? (0,00%)
Certas: ? (0,00%)
Erradas: ? (0,00%)
Somente usuários cadastrados!