Observe os fragmentos a seguir retirados do conto Os Desastres de Sofia, de Felicidade Clandestina, de Clarice Lispector:
“E eu era atraída por ele, não amor, mas atraída pelo seu silêncio e pela controlada impaciência que ele tinha em nos ensinar e que eu, ofendida, adivinhara. [...] Mas eu o exasperava tanto que se tornara doloroso para mim ser o objeto de ódio daquele homem que de certo modo eu amava.[...] - Vou contar uma história, disse ele, e vocês façam a composição. Mas usando as palavras de vocês. Quem for acabando não precisa esperar pela sineta, já pode ir para o recreio. O que ele contou: um homem muito pobre sonhara que descobrira um tesouro e ficara muito rico; acordando, arrumara sua trouxa, saíra em busca do tesouro; andara o mundo inteiro e continuava sem achar o tesouro; cansado, voltara para sua pobre, pobre casinha; e como não tinha o que comer, começara a plantar no seu pobre quintal; tanto plantara, tanto colhera, tanto começara a vender que terminara rico. [...] A história que eu transcrevera com minhas palavras era igual a que ele contara. Só que naquela época eu estava começando a “tirar a moral das histórias”, o que, se me santificava, mais tarde ameaçaria sufocarme em rigidez. Com alguma faceirice, pois, havia acrescentado as frases finais. Frases que horas depois eu lia e relia para ver o que nelas haveria de tão poderoso a ponto de enfim ter provocado o homem de um modo como eu própria não conseguira até então.[...] Então ele disse pela primeira vez usando o sorriso que aprendera: - Sua composição do tesouro está tão bonita. O tesouro que é só descobrir. Você… – ele nada acrescentou por um momento. Perscrutou-me suave, indiscreto, tão meu íntimo como se ele fosse meu coração. – Você é uma menina muito engraçada, disse ele afinal. Foi a primeira vergonha real de minha vida. Abaixei os olhos, sem poder sustentar o olhar indefeso daquele homem a quem eu enganara.[...]”
LISPECTOR, Clarice. Felicidade Clandestina. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987.
Atente às afirmativas a seguir, sobre o conto citado:
I. A menina inquieta e provocante do início do conto testa os limites de seu confuso afeto pelo professor, buscando, de modo incômodo, conhecer-se no contato com o que se lhe mostra como o “outro”, o diferente, o estranho (já que a imagem do professor nem sempre é bela aos seus olhos), misturando as experiências de atração e receio face ao masculino, encarnado na figura do mestre.
II. Os Desastres de Sofia, como outros contos de Felicidade Clandestina, narra a vivência de um edificante aprendizado pelo qual a narradora passa em sua infância. A lição tirada dessa experiência de Sofia é correlata ao que ela mesma projeta em sua leitura da parábola enunciada pelo professor. Pelo carinho demonstrado e a paciência que teve com o texto escrito por ela, o mestre revela-se o “tesouro” escondido, e ela passa a admirá-lo mais por isso.
III. A narrativa guarda semelhança com o conto Felicidade Clandestina, que dá título ao livro, por se referir à força da literatura. A descoberta epifânica feita no conto tem como complicador um texto literário e a experiência da leitura. É ao ler/ouvir (e interpretar) a parábola citada pelo professor que Sofia compõe a redação que tanto o perturbou, levando-a a conhecer – pelo poder da palavra – uma espécie de domínio sobre ele.
IV. A infância retratada nos contos de Felicidade Clandestina, como se vê em Os Desastres de Sofia, é sempre excitante. No conto temos a rememoração, pela narradora, de um tempo marcado pela idealização da pureza de sentimentos e da felicidade típicas dessa fase, com suas descobertas construtivas. Essa é uma tendência na obra de Clarice Lispector no que se refere à abordagem do universo infantil, ao qual ela se dedicou em boa parte de sua criação, sendo uma de nossas melhores autoras de
narrativas para crianças.
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