LEIA OS DOIS TEXTOS A SEGUIR E RESPONDA ÀS QUESTÕES DE 01 A 15.
Texto I
A IMPORTÂNCIA DO NÚMERO ZERO (Maria Fernanda Vomero – Abril de 2001)
A invenção do zero foi uma das maiores aventuras intelectuais da humanidade – e não só para a matemática.
As regras que valem para todos os outros não servem para ele. Só as obedece como e quando bem entende. “Assim faço a diferença”, costuma dizer. Mas não é nem um pouco egoísta. Pelo contrário. Quanto mais à direita ele vai, mais aumenta o valor do colega da esquerda, multiplicando-o por dez, 100 ou 1.000. Trata-se de um revolucionário. Com ar de bonachão, dá de ombros quando é comparado ao nada. “Sou mesmo”, diz. “Mas isso significa ser tudo.” Com vocês, o número zero – que ganha, nestas páginas, o papel que lhe é de direito: o de protagonista de uma odisseia intelectual que mudou o rumo das ciências exatas e trouxe novas reflexões para a história das ideias. Pode soar como exagero atribuir tal importância a um número aparentemente inócuo. Às vezes, você até esquece que ele existe. Quem se preocupa em anotar que voltou da feira com zero laranjas? Ou que comprou ração para seus zero cachorrinhos? Só fica preocupado quando descobre um zero na conta bancária. Mesmo assim, logo que chega o pagamento seguinte, não sobra nem lembrança daquele número gorducho. O símbolo “0” e o nome zero estão relacionados à ideia de nenhum, não-existente, nulo. Seu conceito foi pouco estudado ao longo dos séculos. Hoje, mal desperta alguma curiosidade, apesar de ser absolutamente instigante. “O ponto principal é o fato de o zero ser e não ser. Ao mesmo tempo indicar o nada e trazer embutido em si algum conteúdo”, diz o astrônomo Walter Maciel, professor da Universidade de São Paulo. Se essa dialética parece complicada para você, cidadão do século XXI, imagine para as tribos primitivas que viveram muitos séculos
antes de Cristo. A cultura indiana antiga já trazia uma noção de vazio bem antes do conceito matemático de zero. “Num dicionário de sânscrito, você encontra uma explicação bastante detalhada sobre o termo indiano para o zero, que é shúnya”, afirma o físico Roberto de Andrade Martins, do Grupo de História e Teoria da Ciência da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Como adjetivo, shúnya significa vazio, deserto, estéril. Aplica-se a uma pessoa solitária, sem amigos; a um indivíduo indiferente ou insensível. O termo descreve um sentimento de ausência, a falta de algo, uma ação sem resultados. Como substantivo, shúnya refere-se ao nada, ao vácuo, à inexistência. A partir do século VIII d.C., os árabes levaram para a Europa, junto com os outros algarismos, tanto o símbolo que os indianos haviam criado para o zero quanto à própria ideia de vazio, nulo, não-existente. E difundiram o termo shúnya – que, em árabe, se tornou shifr e foi latinizado para zephirum, depois zéfiro, zefro e, por fim, zero. Bem distante da Índia, nas Américas, por volta dos séculos IV e III a.C., os maias também deduziram uma representação para o nada. O sistema de numeração deles era composto por pontos e traços, que indicavam unidades e dezenas. Tinham duas notações para o zero. A primeira era uma elipse fechada que lembrava um olho. Servia para compor os números. A segunda notação, simbólica, remetia a um dos calendários dos maias. O conceito do vazio era tão significativo entre eles que havia uma divindade específica para o zero: era o deus Zero, o deus da Morte. “Os maias foram os inventores desse número no continente americano. A partir deles, outros grupos, como os astecas, conheceram o princípio do zero”, diz o historiador Leandro Karnal, da Unicamp. E os geniais gregos, o que pensavam a respeito do zero? Nada. Apesar dos avanços na geometria e na lógica, os gregos jamais conceberam uma representação do vazio, que, para eles, era um conceito até mesmo antiestético. Não fazia sentido existir vazio num mundo tão bem organizado e lógico – seria o caos, um fator de desordem. (Os filósofos pré-socráticos levaram em conta o conceito de vazio entre as partículas, mas a ideia não vingou.) Aristóteles chegou a dizer que a natureza tinha horror ao vácuo. “Conceber o conceito do zero exigiu uma abstração muito grande”, diz o historiador da matemática Ubiratan D’Ambrosio, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC). Quando o homem aprendeu a calcular, há cerca de 5.000 anos, fazia associações simples a partir de situações concretas: para cada ovelha, uma pedrinha. Duas ovelhas, duas pedrinhas e assim por diante. “Se sobrassem pedras, o pastor sabia que provavelmente alguma ovelha tinha sido atacada por um lobo ou se desgarrado das demais”, diz o matemático Irineu Bicudo, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Rio Claro. O passo seguinte foi representar graficamente esses números com símbolos e fazer contas com eles. Os babilônios, que viveram na Mesopotâmia (onde hoje é o Iraque) por volta do ano 2.500 a.C., foram os primeiros a chegar a uma noção de zero. Pioneiros na arte de calcular, criaram o que hoje se chama de “sistema de numeração posicional”. Apesar do nome comprido, a ideia é simples. “Nesse sistema, os algarismos têm valor pela posição que ocupam”, explica Irineu. Trata-se do sistema que utilizamos atualmente. Veja o número 222 – o valor do 2 depende da posição em que ele se encontra: o primeiro vale 200, o segundo 20 e o terceiro 2. Outros povos antigos, como os egípcios e os gregos, não usavam esse sistema – continuavam a atribuir a cada número um sinal diferente, fechando os olhos para a possibilidade matemática do zero. O sistema posicional facilitou, e muito, os cálculos dos babilônios. Contudo, era comum que muitas contas resultassem em números que apresentavam uma posição vazia, como o nosso 401. (Note que, depois do 4, não há número na casa das dezenas. Se você não indicasse essa ausência com o zero, o 401 se tornaria 41, causando enorme confusão.) O que, então, os babilônios fizeram? Como ainda não tinham o zero, deixaram um espaço vazio separando os números, a fim de indicar que naquela coluna do meio não havia nenhum algarismo (era como se escrevêssemos 4_1). O palco para a estreia do zero estava pronto. Com o tempo, para evitar qualquer confusão na hora de copiar os números de uma tábua de barro para outra, os babilônios passaram a separar os números com alguns sinais específicos. “Os babilônios tentaram representar graficamente o nada, mostrando o abstrato de uma forma concreta”, diz Ubiratan. Perceba como um problema prático – a necessidade de separar números e apontar colunas vazias – levou a uma tentativa de sinalizar o não-existente. “Trata-se de uma abstração bastante sofisticada representar a inexistência de medida, o vazio enquanto número, ou seja, o zero”, diz a historiadora da ciência Ana Maria Alfonso Goldfarb, da PUC. “Temos apenas projeções culturais a respeito do que é abstrato”, afirma Leandro Karnal. Na tentativa de tornar concreta uma situação imaginária, cada povo busca as referências que tem à mão. Veja o caso dos chineses: eles representavam o zero com um caractere chamado ling, que significava “aquilo que ficou para trás”, como os pingos de chuva depois de uma tempestade. Trata-se de um exercício tremendo de abstração. Você já parou para pensar como, pessoalmente, encara o vazio? Apesar de ser atraente, o zero não foi recebido de braços abertos pela Europa, quando apareceu por lá, levado pelos árabes. “É surpreendente ver quanta resistência a noção de zero encontrou: o medo do novo e do desconhecido, superstições sobre o nada relacionadas ao diabo, uma relutância em pensar”, diz o matemático americano Robert Kaplan, autor do livro The Nothing That Is (O Nada que Existe, recém-lançado no Brasil) e orientador de um grupo de estudos sobre a matemática na Universidade Harvard. O receio diante do zero vem desde a Idade Média. Os povos medievais o ignoravam solenemente. “Com o zero, qualquer um poderia fazer contas”, diz Ana Maria. “Os matemáticos da época achavam que popularizar o cálculo era o mesmo que jogar pérolas aos porcos.” Seria uma revolução. Por isso, Kaplan considera o zero um número subversivo. “Ele nos obriga a repensar tudo o que alguma vez já demos por certo: da divisão aritmética à natureza de movimento, do cálculo à possibilidade de algo surgir do nada”, afirma. Tornou-se fundamental para a ciência, da computação à astronomia, da química à física. “O cálculo integral e diferencial, desenvolvido por Newton e Leibniz, seria inviável sem o zero”, diz Walter Maciel. Nesse tipo de cálculo, para determinar a velocidade instantânea de um carro, por exemplo, você deve levar em conta um intervalo de tempo infinitamente curto, que tende a zero. (É estranho calcular quanto o carro se deslocou em “zero segundos”, mas é assim que funciona.) “O cálculo integral está na base de tudo o que a ciência construiu nos últimos 200 anos”, diz Maciel. Ainda hoje o conceito de zero segue revirando nossas ideias. Falta muito para entendermos a complexidade desse número. Para o Ocidente, o zero continua a ser uma mera abstração. Segundo Eduardo Basto de Albuquerque, professor de história das religiões da Unesp, em Assis, o pensamento filosófico ocidental trabalha com dois grandes paradigmas que não comportam um vazio cheio de sentido, como o indiano: o aristotélico (o mundo é o que vemos e tocamos com nossos sentidos) e o platônico (o mundo é um reflexo de essências imutáveis e eternas, que não podemos atingir pelos sentidos e sim pela imaginação e pelo conhecimento). “O Ocidente pensa o nada em oposição à existência de Deus: se não há Deus, então é o nada”, diz Eduardo. Ora, mesmo na ausência, poderia haver a presença de Deus. E o vazio pode ser uma realidade. É só pensar na teoria atômica, desenvolvida no século XX: o mundo é formado por partículas diminutas que precisam de um vazio entre elas para se mover. Talvez o zero assuste porque carrega com ele um outro paradigma: o de um nada que existe efetivamente. Na matemática, por mais que pareça limitado a um ou dois papéis, a função do zero também é “especial” – como ele mesmo faz questão de mostrar – porque, desde o primeiro momento, rebelou-se contra as regras que todo número precisa seguir. O zero viabilizou a subtração de um número natural por ele mesmo (1 – 1 = 0). Multiplicado por um algarismo à escolha do freguês, não deixa de ser zero (0 x 4 = 0). Pode ser dividido por qualquer um dos colegas (0 ÷ 3 = 0), que não muda seu jeitão. Mas não deixa nenhum número – por mais pomposo que se julgue – ser dividido por ele, zero. Tem ainda outros truques. Você pensa que ele é inútil? “Experimente colocar alguns gêmeos meus à direita no valor de um cheque para você ver a diferença”, diz o zero. No entanto, mesmo que todos os zeros do universo se acomodem no lado esquerdo de um outro algarismo nada muda. Daí a expressão “zero à esquerda”, que provém da matemática e indica nulidade ou insignificância. Mas o zero – como você pôde ver – decididamente não é um zero à esquerda. “Foi uma surpresa constatar como é central a ideia de zero: o nada que gera tudo”, diz Kaplan. E mais: há quem diga que o zero é parente do infinito, outra abstração que mudou as bases do pensamento científico, religioso e filosófico. “Eles são equivalentes e opostos, yin e yang”, escreve o jornalista americano Charles Seife, autor de Zero: The Biography of a Dangerous Idea (Zero: A Biografia de uma Ideia Perigosa), lançado no ano passado nos Estados Unidos. O epíteto atribuído ao zero no título – ideia perigosa – não está ali por acaso. “Apesar da rejeição e do exílio, o zero sempre derrotou aqueles que se opuseram a ele”, afirma Seife. “A humanidade nunca conseguiu encaixar o zero em suas filosofias. Em vez disso, o zero moldou a nossa visão sobre o universo – e também sobre Deus.” E influenciou, sorrateiramente, a própria filosofia. De fato, trata-se de um perigo.
Disponível em <http://super.abril.com.br/ciencia/importancia-numero-zero-442058.shtml>. Acesso em 14 mar. 2012. (ADAPTADO)
Texto II
CERTAS COISAS (Lulu Santos)
(1) Não existiria som
(2) Se não houvesse o silêncio
(3) Não haveria luz
(4) Se não fosse a escuridão
(5) A vida é mesmo assim,
(6) Dia e noite, não e sim...
(7) Cada voz que canta o amor não diz
(8) Tudo o que quer dizer,
(9) Tudo o que cala fala
(10) Mais alto ao coração.
(11) Silenciosamente eu te falo com paixão...
(12) Eu te amo calado,
(13) Como quem ouve uma sinfonia
(14) De silêncios e de luz.
(15) Nós somos medo e desejo,
(16) Somos feitos de silêncio e som,
(17) Tem certas coisas que eu não sei dizer...
(18) A vida é mesmo assim,
(19) Dia e noite, não e sim...
(20) Cada voz que canta o amor não diz
(21) Tudo o que quer dizer,
(22) Tudo o que cala fala
(23) Mais alto ao coração.
(24) Silenciosamente eu te falo com paixão...
(25) Eu te amo calado,
(26) Como quem ouve uma sinfonia
(27) De silêncios e de luz,
(28) Nós somos medo e desejo,
(29) Somos feitos de silêncio e som,
(30) Tem certas coisas que eu não sei dizer...
Disponível em <http://letras.terra.com.br/lulu-santos/35063/>. Acesso em 15 mar. 2012.
A respeito do texto II, marque a assertiva falsa:
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